segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Denise Dummont: "Meu pai, que engarrafava nuvens, tem 95 anos"



Eu vou mostrar pra vocês, como se dança o baião, e quem quiser aprender é favor prestar atenção". Esse foi praticamente o bordão de um dos gêneros musicais mais genuinamente brasileiros, o baião, popularizado nos anos 40. E os donos dessas linhas musicais (da canção Baião), que também fizeram chegar Asa Branca, Assum Preto e Paraíba - entre outros sucessos da década de 40 e 50 - aos ouvidos e gogós de um sem número de brasileiros, formaram a primeira dupla pop star brasileira: Humberto Teixeira (1915-1979) e Luiz Gonzaga (1912-1989), o "Doutor" e o "Rei do Baião", respectivamente. Sobre o primeiro e menos conhecido dos dois, Teixeira - que compôs mais de 400 músicas e este ano, se estivesse vivo, completaria 95 anos -, é que trata o documentário O Homem Que Engarrafava Nuvens, em cartaz nos cinemas de São Paulo e do Rio, produzido por sua única filha, a atriz Denise Dummont.


Nostalgia e amor de filha
Como o curta-metragem Meu Pai Tem 100 Anos - dirigido e produzido por Isabella Rossellini sobre seu pai, o cineasta Roberto Rossellini (1906-1977) -, o longa presta uma homenagem tardia de filha para pai, retomando de maneira nostálgica e melódica a trajetória de um dos maiores músicos que o Brasil já ouviu, morto em 1979, no Rio de Janeiro.

"Eu não conhecia a obra do meu pai. Quando eu era adolescente preferia ouvir o rock de Os Mutantes e do Led Zepelin a escutar o que ele havia composto. Esse filme foi uma maneira de me redimir um pouco disso", confessa Denise, quase que se desculpando por não ter prestado a devida atenção ao trabalho do pai, que praticamente a criou ¿ seus pais se separaram quando ela tinha cinco anos e sua mãe foi morar nos Estados Unidos.

Ao longo de seus 100 minutos (pouco até, diante da grandiosidade da obra de Teixeira e de sua importância para a Música Popular Brasileira ¿ mas Denise promete um DVD recheado de extras), o jeito mezzo matuto, mezzo erudito da figura do músico natural de Iguatu, no interior do Ceará, é revelado em entrevistas com colegas de profissão e parceiros, familiares e amigos, por (e para) Denise a quem nunca ouviu falar de Teixeira, mas já escutou várias de suas músicas.

E se, para aqueles que não tinham noção de quem foi Humberto Teixeira, o filme é uma aula, para os letrados e nostálgicos da figura do "Dr. Do Baião" o longa, dirigido pelo pernambucano Lírio Ferreira (do documentário Cartola), é uma oportunidade de recordar aqueles bons tempos de um Brasil inocente e festivo, que arrastava o pé em bailes em branco e preto, embalados pela sanfona.


Sobre essa viagem cultural e familiar, Denise falou com exclusividade ao Terra. Leia a seguir:

Sei que você começou a colocar a mão na massa no filme mais ou menos em 2000, mas a ideia de fazer um documentário sobre seu pai te ocorreu quando e por quê?

A idéia surgiu em 2000, quando conheci a Ana Jobim. A Ana me inspirou a resgatar e cuidar da memória e da obra de meu pai. O nome dele estava completamente esquecido e se eu não fizesse alguma coisa acho que ninguém iria fazer. A Ana se propôs a me ajudar nisso e o caminho mais natural pra mim foi o cinema. Nós duas idealizamos esse projeto. Afora isso, também produzimos um CD com a (gravadora) Biscoito Fino, O Doutor do Baião, fruto do primeiro dia de filmagem, e o livro Cancioneiro Humberto Teixeira, editado pela Jobim Music e a Good Ju-Ju, minha firma.


Qual a maior dificuldade que enfrentou durante a produção?

Levantar dinheiro, adquirir e restaurar o material de arquivo. No final, deu tudo certo graças a incríveis parceiros que confiaram e resolveram bancar o projeto e ao Antonio Venancio, que é um dos maiores pesquisadores do mundo.


E como foi escolher as músicas que entrariam no documentário, diante da gigante obra de seu pai?

É. Isso foi difícil realmente. Eu até hoje sinto falta de várias favoritas com Fogo Pagô e uma versão completa de Estrada do Canindé. São tantas! Mas esse "problema" ficou mais nas mãos do Lírio (Ferreira, o diretor).


Entrevistar sua mãe (a atriz e pianista Margot Bittencourt) sobre a separação e o tempo que ficaram distantes ¿ um dos momentos mais emocionantes do filme ¿ também deve ter sido difícil...

Interessante. Essa parte não foi planejada. A minha intenção era entrevistá-la sobre a época em que eles foram casados, a carreira, o sucesso, etc. Mas aí a gente começou a conversar e saiu tudo. A equipe (do filme) em volta desapareceu e ficamos só nós duas falando da vida. Difícil pra mim é ver! Mas aquilo foi muito bom e importante para a nossa relação. Aquela conversa exorcizou todo e qualquer ressentimento ou culpa que tínhamos em relação à outra ¿ a mãe de Denise morreu seis meses depois do depoimento colhido para o longa, em julho de 2007.


As mais de quatro horas que ficaram de fora do filme estarão no DVD? Que tipo de material deve entrar nos extras? Clipes, letras e cifras das músicas do filme?

Pretendemos fazer um DVD com extras superlegais como a participação do Faustino, um dos melhores chefes do Ceará e premiado no mundo inteiro, cozinhando um baião de dois e nos dando a receita. Além, é claro, de vários números musicais que não entraram. Tem muita coisa maravilhosa (que ficou de fora). Temos planos também de lançar um CD com a trilha sonora.

Você confessou que, quando era adolescente, curtia Mutantes e Led Zepelin em vez do baião do seu pai. Ele ficava sentido com isso ou entendia sua preferência musical nessa época? E essa preferência era legítima ou ela acontecia só para provocá-lo (e você escutava e dançava baião escondido dele)?

Quando eu era criança, ele cantava pra mim as músicas dele e eu aprendi assim, com ele em casa. Quando o baião teve sua época áurea eu ainda não era nascida. A música da minha geração era rock, MPB. Quando os Mutantes gravaram Adeus Maria Fulô (de autoria de seu pai e Sivuca), eu ouvi, gostei e fiquei morta de orgulho. Aquilo eu entendia. Não acho que era só provocação de adolescente, não. Pelo menos não consciente. Era coisa de geração e de local mesmo. Eu fui criada em Ipanema.


Como toda casa de músico (apesar de seu pai ter sido também advogado e político) ela devia viver cheia deles. Que músicos frequentavam mais sua casa?

De Antonio Maria a Ataulfo Alves. Luiz Gonzaga a Francisco Carlos, Dalva de Oliveira, Herivelto e Pery, Carmélia Alves, J. Junior, Ary Barroso, Altamiro Carrilho. É difícil lembrar de todos, eu era criança. Nos domingos, a casa ficava cheia. Aliás, não só de músicos, vinha também o Anselmo Duarte, a Ilka Soares, o Jorge Dória...


Seu pai foi o "Doutor do Baião" e sua mãe uma pianista clássica. Você nunca tocou ou quis aprender um instrumento?

Aprendi violão e um pouco de piano, mas nunca me aprofundei em nenhum dos dois. Continuo querendo. Ainda está nos meus planos. Obviamente só para meu prazer pessoal, pois já passei da idade.


Como acha que seu pai reagiria à sua performance no filme A Era do Radio (1987), de Woody Allen? Allen conhecia o trabalho de seu pai? Vocês conversavam sobre música brasileira?

Ah, eu acho que ele ia adorar. Melhor que isso só se eu cantasse Qui Nem Jiló - no longa de Woody Allen, Denise canta Tico Tico no Fubá, de Zequinha de Abreu (música do repertório de Carmem Miranda). Sei que o Woody adora música brasileira, mas não conversamos sobre isso.


Qual música você descobriu do seu pai que mais te impressionou e qual você mais gosta hoje?

Essa é a pergunta mais difícil! Quando eu era bem criança adorava a Sinfonia do Café pois me parecia conto de fada. Depois, Qui Nem Jiló virou minha favorita. Agora eu já não sei mais. Sou louca por Juazeiro, Fogo Pagô, Adeus Maria Fulô, Cariri, Baião de Iracema, Estrada do Canindé...


Tomou gosto pela produção? É sua nova atividade ou vai parar no documentário O Homem Q Engarrafava Nuvens?

É como ter um filho: depois que nasce você esquece a dor do parto. Gostei sim. Espero produzir novamente. E atuar. E andar de bicicleta. E melhorar o meu francês e cantar, tocar piano...


Fonte: Terra - Cinema & DVD.


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